sábado, 21 de março de 2009

O cobrador de impostos [...] nem sequer ousava levantar os olhos ao céu

O fariseu dizia : «Não sou como certos homens.» Quem serão esses outros homens? Não serão todos, com excepção dele próprio? «Eu sou justo, os outros são pecadores; eu não sou como o resto dos homens, que são injustos, ladrões, adúlteros.» E eis que a presença de um publicano, a seu lado, lhe vem dar ocasião para se ensoberbecer ainda mais. «Eu, eu sou um homem à parte; ele é como os outros. Não sou da sua espécie; não sou um pecador, pois faço muitas obras justas. Jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo de tudo quanto possuo.» Que pede este homem a Deus? Procurai nas suas palavras, que nada encontrareis. Subia supostamente ao seu quarto para orar: ora, nada pede a Deus; apenas se gaba de si próprio. E é na verdade deveras pouco nada pedir a Deus, mas gabar-se: para além disso, insulta aquele que a seu lado reza: é o cúmulo!
O publicano «mantinha-se à distância», e no entanto aproxima-se de Deus; as reprovações do seu coração afastam-no d'Ele, mas o seu amor aproxima-o de Deus. Este publicano mantém-se à distância, mas o Senhor aproxima-se dele para o escutar. «O Senhor é excelso, mas repara no humilde», enquanto que «àquele que se exalta», como o fariseu, «reconhece-o ao longe» (Sl 137, 6). A todo o que se exalta, o Senhor olha-o de longe, mas não o ignora.
Vede, por contraste, a humildade deste publicano. Não só se mantém à distância, como nem sequer levanta os olhos ao céu. Não ousa erguer os olhos à procura de um olhar. Não ousa olhar para o alto, a sua consciência humilha-o, mas a esperança exalta-o. Escutai ainda: «Batia no peito.» Para si próprio pede um castigo; por isso Deus perdoa a tal homem que a sua culpa confessa. «Senhor, sede-me propício, a mim, que sou pecador»: eis alguém que ora, que pede! Por que te espantas que Deus ignore as faltas deste homem, quando o próprio as reconhece? Ele faz-se juiz de si próprio e Deus advoga a sua causa; acusa-se e Deus defende-o. «Em verdade vos digo» - é a Verdade que fala, é Deus, é o Juiz - «foi o publicano que voltou para casa justificado, e não o outro.» Diz-nos, Senhor, por quê? «Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado».


Santo Agostinho (354-430),
Bispo de Hipona (Norte de África) e Doutor da Igreja Sermão 115

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