sábado, 14 de fevereiro de 2009

Carta sobre a vida contemplativa

«Ela veio lançar-se a Seus pés»
«Senhor, Tu que só os corações puros podem ver (Mt 5, 8), eu procuro, na leitura e na meditação, encontrar a verdadeira pureza do coração e a forma de a obter para poder, graças a ela, conhecer-Te, por pouco que seja. Procurei o Teu rosto, Senhor, procurei o Teu rosto (Sl 26, 8). Meditei muito dentro do meu coração, e um fogo se iluminou na minha meditação: o desejo de Te conhecer melhor. Quando Tu partes para mim o pão da Sagrada Escritura, eu reconheço-Te nessa fracção de pão (Lc 24, 30-35). E quanto melhor Te conheço, mais desejo conhecer-Te, não só no sentido do texto, mas no sabor da experiência.
Não o peço, Senhor, pelos meus méritos, mas por causa da Tua misericórdia. Devo confessar que sou, realmente, pecador e indigno, mas «mas até os cachorrinhos comem debaixo da mesa as migalhas dos filhos». Dá-me portanto, Senhor, em fiança pela herança futura, ao menos uma gota da chuva celeste para refrescar a minha sede, pois estou sequioso de amor.»
É através deste tipo de discursos que a alma chama pelo seu Esposo. E o Senhor, que olha pelos justos e que não ouve apenas as suas preces mas está presente nessa oração, não espera pelo final. Ele interrompe o discurso a meio; aparece de repente, vem rapidamente ao encontro da alma que O deseja, fluindo no doce orvalho do céu como o perfume mais precioso. Ele recria a alma fatigada, alimenta a que tem fome, fortifica a sua fragilidade, reaviva-a mortificando-a através de um admirável esquecimento de si própria, torna-a sóbria ao enebriá-la.

Guigues de Chartres (1083-1136), Prior da Grande Cartuxa

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