quarta-feira, 23 de junho de 2010

Se há depressão, a culpa é de Deus!

Se a aids foi vista como a epidemia do século XX, à depressão cabe o privilégio de ser a chaga do século XXI. É incalculável o número de pessoas que, a cada dia que passa, não encontram mais motivos para viver nem forças para reagir. Tudo fica complicado e nada tem sentido. As frustrações e decepções se acumulam. O coração se torna insensível. A esperança desmorona e a capacidade de amar fenece. Só quem passou por ela sabe o que isso significa.

Por que a depressão faz tantas vítimas? O título que dei ao artigo traz uma resposta que pode chocar: o culpado é Deus?! Por quê? A primeira página da Bíblia garante que «o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus» (Gn 1,26). Portanto, um ser com aspirações infinitas, feito para as alturas, grande demais para se sentir realizado com a satisfação de seus instintos e emoções. Foi o que descobriu Santo Agostinho: «Meu Deus, fizestes o nosso coração para vós, e ele anda inquieto até não descansar em vós!»

Infelizmente, desde os primórdios da humanidade, essa busca de Deus foi desvirtuada e corrompida. Esquecendo que já haviam sido feitos à imagem e semelhança de Deus, Adão e Eva sucumbiram ao desejo que se aninha no subconsciente da humanidade: ocupar o lugar de Deus, com autonomia para decidir o que é bom ou mau, o que é certo ou errado. Foi essa a tentação que o diabo escolheu para fazê-los cair: «Deus sabe que vossos olhos se abrirão e sereis semelhantes a ele, donos do bem e do mal» (Gn 3,5).

A busca de realização e de felicidade está sujeita a todo tipo de engano e de fracasso. Não é fácil para ninguém resistir às inúmeras ciladas que lhe são dirigidas por uma sociedade consumista e competitiva, criando expectativas que se transformam em necessidades, cada vez mais despóticas e insaciáveis. A ansiedade, a insegurança e o medo que delas nascem estão a dizer que, sem domínio e disciplina interior, qualquer resultado obtido jamais conseguirá saciar a fome que a todos persegue.

Evidentemente, quando essa carência interior se transforma em busca do bem, da verdade, do amor, da beleza e da vida, a situação é diferente. O progresso das ciências e o desenvolvimento social e econômico da humanidade dependem exatamente dela. Por seis vezes, ao descrever a criação do mundo, a Bíblia assevera que Deus ficou contente com cada coisa que fazia: «E Deus viu que tudo o que havia feito era muito bom» (Gn 1,31). Se «tudo é puro para os puros» (Tt 1,15), também “tudo é bom para os bons”, para aqueles que respeitam a hierarquia estabelecida por Deus e que foi assim sintetizada por São Paulo: «O Reino de Deus não consiste em comer e beber, mas em buscar a justiça, a paz e a alegria no Espírito Santo» (Rm 14,17).

Em certo sentido, pode-se dizer que a depressão nasce da subversão dessa ordem. O próprio casamento, sempre visto como a vocação natural do ser humano: «Não é bom que o homem fique só» (Gn 2,18) –, gera amargura e arrependimento sem fim quando assumido fora do projeto de Deus. Até mesmo a religião frustra e decepciona a quem a procura por motivos alheios à fé. Não é por nada que o livro do Eclesiastes começa com estas palavras: «Ilusão das ilusões, tudo é ilusão!» (Ecl 1,2). E o que é a depressão senão uma seqüência de ilusões?

O melhor remédio contra a depressão é aprimorar o relacionamento com os inúmeros “outros” que Deus coloca ao nosso lado, sem ferir e sem se deixar ferir. Quem o garante não é apenas Jesus, mas também outro judeu, que nada tem a ver com o cristianismo, o filósofo Emanuel Lévinas. Diferentemente de seu colega francês, Jean-Paul Sartre, para quem «o inferno são os outros», Lévinas garante que, quem nos cura e liberta de nossos problemas afetivos e existenciais, é precisamente o outro. Tudo depende do tipo de relação que estabelecemos com quem foi criado por Deus para ser um dom para nós – e nós um dom para ele. Foi esta também a descoberta feira pelo autor do Eclesiástico: «Todas as coisas existem aos pares, uma frente à outra. Deus nada fez de incompleto: uma coisa completa a bondade da outra» (Eclo 42,25-26).

Dom Redovino Rizzardo

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